Inclusão digital como invenção do quotidiano: um estudo de caso

23/04/2011 15:24

Uma perspectiva para a inclusão digital

Tomar a palavra inclusão como forma de delimitar o tema deste trabalho não foi uma decisão fácil. Necessito fazê-lo porque se trata do termo mais utilizado hoje para descrever um objetivo ou ideal que expressões como cidadania, dignidade ou justiça social talvez descrevessem melhor, se não estivessem desgastadas pela hipocrisia do nosso dia-a-dia. Utilizar inclusão, portanto, dá a possibilidade de obter mais interlocutores; por isso o fiz.

Na maior parte dos casos, porém, quem fala em inclusão fala do lugar de incluído, isto é, fala como alguém que se entende como pertencente a um contexto estável e homogêneo no qual o objetivo ou ideal que aqueles termos desgastados descrevem teria sido plenamente alcançado, alguém que já definiu aquilo que é, tem ou faz como o bom e necessário para todos, e que está disposto a trazer para esse mesmo espaço o "excluído", isto é, aquele que, por influência do destino, da natureza, da tradição, de seus próprios hábitos, da sua própria ignorância ou de alguma fatalidade histórica, não "adentrou" tal condição.

Nesse sentido, "inclusão" desliza para o sentido de hegemonia, isto é, para um processo de subordinação de significados, valores, crenças de grupos subalternos aos de uma classe superior, por meio da direção e do consenso. Inclusão digital, por conseguinte, denotaria uma faceta desse processo relacionada às tecnologias que são fundamentais para a manutenção e ampliação dessa hegemonia. Penso, porém, que a palavra inclusão não tem necessariamente que adquirir esses sentidos. É possível, talvez crucial, para quem ainda acredita que conceitos como cidadania, dignidade e justiça social, mesmo mudando de sentido, não perderam sua relevância, falar de inclusão a partir de uma outra perspectiva.

Dessa outra perspectiva, inclusão e exclusão não são sinônimos de "estar dentro" e "estar fora", partilhar do consenso ou alienar-se: são dois modos simultâneos de estar no mundo. Trata-se de uma perspectiva baseada na heterogeneidade (da linguagem, da cultura, do sujeito e da tecnologia) a partir da qual é possível perceber que somos sempre iguais e diferentes dos outros, que estamos sempre incluídos e excluídos ao mesmo tempo: inclusão, então, seria a possibilidade de subversão das relações de poder e das formas de opressão que se nutrem e se perpetuam por meio da homogeneização, da padronização, da imposição de necessidades de alguns a todos e do fechamento dos significados das novas tecnologias da comunicação e da informação (doravante, TIC) em função de tais necessidades.

Essa concepção de inclusão digital apresenta-se como especialmente significativa quando temos em mente as periferias dos grandes centros urbanos que começam a ser "conectadas" por meio de telefones celulares e centros comunitários de acesso à internet; isto é, quando pensamos em processos de inclusão não como a aplicação da racionalidade (crítica) a formas politicamente organizadas de reprodução/normalização ou conscientização/resistência relacionadas às TIC, mas como um processo criativo, conflituoso e até certo ponto autogerido de apropriação e "enunciação" dessas tecnologias.